Desde o final de 2006, o Supremo Tribunal Federal julga o recurso pelo fim da exigência de curso superior para exercício do jornalismo
Jornalistas de todo o Brasil e a sociedade civil aguardam com expectativa a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre a obrigatoriedade ou não do ensino superior para a prática jornalística. Nas mais variadas esferas de discussão, o assunto vem gerando polêmica e provocando mobilizações sindicais.
O julgamento dos ministros ocorrerá possivelmente este ano. O momento coincide com a decisão do Ministério do Trabalho, tomada no final de julho, para a criação de um grupo composto por representantes da categoria, empresários e membros do governo, com o objetivo de regulamentar a profissão e propor alterações na legislação atual, criada em 1969. O grupo terá 90 dias para entregar as conclusões do trabalho.
O processo já teve muitas idas e vindas ao longo dos últimos anos. Durante esse tempo, muitos profissionais perderam suas concessões para trabalhar, para logo em seguida recebê-la de novo. E a população recebeu diretamente os reflexos desse quadro instável, através do material informativo consumido diariamente.
De um lado, a defesa do fim do diploma argumenta a inconstitucionalidade em sua exigência, por ferir os princípios das liberdades públicas e da liberdade de profissão. Do outro, a necessidade de formação específica na área fala mais alto. A dúvida é se um debate que atravessa décadas realmente está em vias de ser solucionado.
Briga de gente grande
Quando a juíza substituta Carla Rister, da 16º Vara Federal em São Paulo, concedeu liminar em 25 de outubro de 2001 para suspensão da obrigatoriedade do diploma de jornalista, provavelmente não imaginava a briga que sua decisão provocaria.
Em janeiro de 2003, a sentença da juíza foi movida pelo Ministério Público Federal (MPF) e Sindicato das Empresas de Rádio e Televisão de São Paulo (Sertesp) e passou a valer em nível nacional. No mesmo ano, a Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj) e a Advocacia Geral da União (AGU) partiram para o revide. Logo, em 2005, o Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF) cassou a decisão. Quem tinha conseguido um registro no Ministério do Trabalho sem ser diplomado foi obrigado a parar de trabalhar.
Porém, em 2006, através de liminar do ministro e presidente do STF, Gilmar Mendes, e a pedido do procurador-geral da República, Antônio Fernando de Souza, o MPF retirou a obrigatoriedade do diploma para aqueles que já exerciam a atividade. O Ministério Público também interpôs o Recurso Extraordinário nº 511961 no Supremo Tribunal Federal, que julgará a causa definitivamente, sem direito a recurso posterior.
Todo mundo pode ser jornalista
A regulamentação profissional do jornalismo brasileiro ocorreu em 1938. Na década de 40, surgiram os primeiros cursos de jornalismo, mas foi somente a partir de 1969, devido a fortes pressões profissionais, que a exigência da formação superior passou a valer efetivamente. Muitos foram contra essa determinação, incluindo jornalistas e proprietários de jornais. Desde então, a defesa pelo fim da exigência é intensa.
“Não há nada no jornalismo que não se aprenda com o cotidiano das redações. Com ou sem diploma, todo mundo aprende o ofício na prática”, defende José Ramalho Rodorval, doutor em Ciências Sociais e professor da Universidade Federal de Sergipe (UFS). Ele afirma que ofícios como o de jornalista, economista e sociólogo não conferem riscos à vida humana, ao contrário do que acontece com o exercício da medicina ou arquitetura.
Sobre a inconstitucionalidade, apontada pelo MPF e Sertesp, essa diz respeito ao fato de que há restrição na manifestação do pensamento e na liberdade de expressão dos indivíduos. Conforme consta na sentença da juíza Carla Rister, a exigência de diploma fere a Constituição Federal de 1988 “na medida em que impõe obstáculos ao acesso de profissionais talentosos à profissão, mas que, por um revés da vida, não pôde ter acesso a um curso de nível superior”.
A defesa também se embasa no fato de países desenvolvidos não fazerem essa exigência, a exemplo dos Estados Unidos e países da Europa, e de empresas como a Folha de São Paulo contratarem profissionais especializados em outras áreas para trabalhar nas redações, como economistas e juristas, contrariando a lógica da necessidade do diploma em jornalismo.
Formação especial e suporte teórico
Em contraponto, o doutor em Comunicação Social e professor da UFS, Josenildo Guerra, explica que a prática jornalística não é privilegiada. “No jornalismo profissional, o jornalista é o catalisador da liberdade de expressão dos cidadãos. É através do trabalho deles que as pessoas têm direito a dar suas versões sobre os fatos”. Ele ressalta que qualquer pessoa pode se expressar e colaborar nos jornais, atuando como articulista, cronista ou colunista. Material informativo, no entanto, cabe ao jornalista.
Guerra enfatiza a grande responsabilidade de exercer a profissão, o que mostra a necessidade de formação específica para ela, assim como o é para médicos e arquitetos. “Uma informação incorreta divulgada não prejudica apenas a reputação do jornalista, mas afeta toda a sociedade e seu direito de receber informações de qualidade”, afirma. Um exemplo das conseqüências desastrosas de uma cobertura jornalística mal-feita foi o caso da Escola Base.
A professora do Departamento de Economia da UFS, Verlane Aragão, afirma que a universidade dá o suporte teórico necessário para a melhor compreensão e interpretação da estrutura política, econômica e social da realidade que cerca o profissional. Da mesma forma pensa Guerra, ao explicitar que a ausência de conhecimento teórico limita a capacidade do jornalista de refletir sobre a própria atividade.
“A formação acadêmica dá uma visão universalista do profissional do jornalismo. Ele adquire um conhecimento que pode ser aplicado em qualquer organização. Quem aprende na prática da redação vai aprender apenas como determinada empresa jornalística considera o jornalismo”, afirma o comunicólogo Josenildo Guerra.
Para o sociólogo Rodorval Ramalho, os suportes técnico e teórico são necessários, porém, “o equívoco é imaginar que somente a universidade pode oferecê-los e que esses dois elementos são suficientes para formar um jornalista”, afirma. Ele lembra que alguns dos maiores jornalistas da história do país não passaram por uma faculdade e cita que a tendência, com o advento do ciberespaço, é que todos sejam um pouco jornalistas.
E os jornalistas, o que pensam?
Na esfera acadêmica o debate não parece ter fim. Enquanto isso, os profissionais da área dão suas opiniões. O jornalista da Fundação Aperipê, Cleomar Brandi, afirma ser inteiramente contra à desobrigatoriedade de curso superior para o exercício do jornalismo. Brandi é formado em Pedagogia, mas atua no jornalismo há mais de três décadas, com preferência pela área de produção, aprendendo seu ofício com muita leitura. Apesar de não ter o diploma, aguarda uma decisão favorável do STF.
O Sindicato dos Jornalistas do Estado de Sergipe (Sindijor), sob presidência de George Washington, acompanha o desenrolar dos acontecimentos com forte atuação. A categoria está visitando redações de jornais e salas de aula para distribuir panfletos e mobilizar a população, além de coletar assinaturas para o abaixo-assinado em defesa da regulamentação da profissão, que será entregue aos ministros do Supremo.
Um lugar ao sol
Para uns, retrocesso, para outros, avanço. Teme-se, por exemplo, que com a revogação do diploma o Jornalismo volte aos tempos de outrora, quando havia uma grande maioria de profissionais mal preparada para exercer a atividade; muitos mal sabiam redigir, apesar de dominar técnicas de apuração. Mas há poucos indicativos para que isso aconteça, pois o mercado exige cada vez mais a qualificação de seus trabalhadores, independente da área em que atuam.
Em contrapartida, profissionais do ramo da Publicidade, Design Gráfico e Artes, para citar alguns, convivem com a inexistência da obrigação do diploma. A artista plástico paulista Vera Lúcia Galozzi trabalha há vinte anos na área, fez diversos cursos e nunca precisou de um diploma. “Uma formação superior confere conhecimento, técnica, mas o dom de criar vem de cada um. O que importa mesmo é ser bom no que faz”, diz ela.
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Por Raquel Brabec
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