O movimento escoteiro é o tema do último livro do historiador Jorge Carvalho do Nascimento. A obra 'A escola de Baden-Powell: cultura escoteira, associação voluntária e escoteirismo de Estado no Brasil' é fruto de três anos de pesquisa e foi lançada no dia 10 deste mês. Jorge Carvalho é professor do Departamento de História e Coordenador do Mestrado em Educação da Universidade Federal de Sergipe (UFS) e membro da Academia Sergipana de Letras. Doutor em História e Filosofia da Educação pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC), ele também atuou como pesquisador na Johan Wolfgang Göethe Universität de Frankfurt, na Alemanha. Em entrevista ao Contexto Online, ele conta um pouco como nasceu o interesse pelo tema e nos explica as idéias do movimento escoteiro e a sua atuação em Sergipe e no Brasil.
Contexto Online – O que é o escotismo?
Contexto Online – O que é o escotismo?
Jorge Carvalho – Escotismo é uma forma de organização voluntária da sociedade civil com o intuito de ajudar as crianças e os jovens a se desenvolver fora da escola. É um projeto educacional fundado em 1907, na Inglaterra, pelo general inglês Robert Baden Powell a fim de promover a idéia de que era possível educar os jovens sem as metodologias opressivas que ele observava na educação escolar daquela época. De acordo com seu projeto, era possível educar os jovens valorizando o contato direto com a natureza, os princípios da formação moral e ética, e reforçar a idéia de auto-governo, ou seja, a idéia de que o ser humano aprende e se disciplina sozinho, sem imposições de autoridade.
Contexto – De que forma surgiu o interesse pela pesquisa do escotismo?
Jorge – Foi exatamente há quatro anos, quando eu publiquei um livro chamado ‘Memórias do Aprendizado’, que conta a história do ensino agrícola em Sergipe. Tudo começou quando eu fiz um estudo sobre a Escola Agro-Técnica Federal de São Cristóvão, que em 2004, completou 80 anos de funcionamento ininterrupto. Ao fazer o estudo sobre essa instituição, fundada em 1924, eu observei que em 1925 funcionava nessa escola um grupo de escoteiros e isso me despertou para duas coisas: para o fato de eu ter sido escoteiro aos treze anos de idade e que, devido a isso, eu conhecia algumas coisas sobre escotismo, uma delas era que o movimento havia chegado em Sergipe no início da década de 50. Porém o que me chamou à atenção na pesquisa é que encontrei em documentos e material da imprensa da época, registro da existência de grupos escoteiros em Sergipe já em 1925. Então, eu decidi escrever um artigo sobre o escotismo em Sergipe. Comecei a fazer um levantamento sobre o assunto e isso foi crescendo. Num determinado momento, eu descobri que haviam outros documentos sobre a fundação do escotismo em Sergipe que estavam no Centro Cultural do Movimento Escoteiro no Rio de Janeiro, que é um arquivo mantido pela União dos Escoteiros do Brasil (UEB). No período de férias da universidade, em janeiro de 2005, eu viajei para o Rio de Janeiro e passei um mês no arquivo da UEB. Nesse período tive acesso a uma documentação enorme, inexplorada pelos historiadores. A partir daí eu comecei a perceber que aquilo era um bom tema de pesquisa histórica.
Contexto – E quais foram as impressões iniciais da sua pesquisa?
Jorge - Durante a visita ao Rio de Janeiro, adquiri uma vasta literatura sobre o assunto, assim como jornais e documentos. Comecei a analisar essa documentação e, descobri que os historiadores partilhavam praticamente de uma mesma interpretação sobre o assunto. Na visão deles, o escotismo era um movimento de militarização da infância que se desenvolveu com a Ditadura do século XX. Esse ponto de vista é habitual, principalmente, porque é um movimento que as pessoas praticam uniformizadas e a idéia de uniforme é associada à autoridade. Só que no inicio do século, a padronização da vestimenta e o uso de distintivos era comum nas igrejas, nos sindicatos e nas associações. Outra coisa que faz as pessoas pensarem desta forma é o fato de o movimento ter sido fundado por um general. Porém, eu percebi em minha pesquisa que quando Baden Powell fundou essa metodologia em 1907, ele havia retornado da guerra colonialista da Inglaterra na África fazendo fortes críticas ao modo de educação da juventude existente no exército e nas escolas. Em relação a essa associação eu também fiz duas constatações. A primeira foi que o general era um militar com uma formação intelectual sólida e conservadora, porém com uma visão de organização extremamente atual para o seu tempo. Ele comungava com as idéias das pedagogias ativas e da Escola Nova que existia no início do século XX. A segunda foi que o escotismo é uma forma de associação voluntária, ou seja, ele propõe a auto-educação, a educação para o auto-governo e, por isso, não admite ser organizado pelo Estado.
Contexto – Então não há relação entre o movimento escoteiro e os governos ditatoriais?
Jorge – O fato é que ao longo do século XX, as ditaduras entraram em conflito com a organização do Movimento Escoteiro. Isso se deu porque os ditadores de direita e de esquerda descobriram que o escotismo era um movimento que atraia a juventude e, uma vez no poder, eles extinguiram as regiões de escoteiros e criaram no Estado instituições destinadas a promover as mesmas práticas do escotismo como forma de fazer propaganda do Estado e militarizar a infância e juventude. Foi assim na Alemanha Nazista de Hitler, com a Juventude Hitlerista, na Itália Fascista de Benito Mussolini, com o Movimento dos Balilas, na Espanha de General Francis, em Portugal de Oliveira Calazar e no Brasil durante o Estado Novo com o presidente Getúlio Vargas, que transformou a União dos Escoteiros do Brasil (UEB) num departamento do Ministério da Educação (MEC) e se proclamou presidente de honra da UEB, e proclamou a sua esposa, dona Darci Vargas, presidente de honra da Federação das Bandeirantes do Brasil, que era o órgão feminino do movimento escoteiro. No caso brasileiro, a UEB permaneceu como uma entidade do MEC até 1950, quando voltou a ser um organismo da sociedade civil. Foi assim também nos governos de esquerda da União Soviética, China e Cuba, que proibiram o movimento escoteiro e criaram o Movimento dos Pioneiros.
Contexto – Ainda é comum a prática do escotismo no Brasil? Existem grupos escoteiros no Estado de Sergipe?
Jorge - A partir da segunda metade do século XX, o prestigio do movimento escoteiro decresceu bastante no Brasil. Para se ter idéia, o estado de São Paulo já teve 100 mil escoteiros. Atualmente, o Brasil inteiro tem apenas 40 mil escoteiros entre os 200 milhões de habitantes. Em Portugal existem 10 milhões de habitantes e 70 mil escoteiros. Em Sergipe, atualmente existem pouco mais de 400 escoteiros.
Contexto – Como esses grupos se organizam?
Jorge - Em cada país existe uma associação nacional e, em cada estado há uma região escoteira que é integrada por grupos escoteiros. Em Sergipe, existem oito grupos de escoteiros, cinco deles em Aracaju.
Contexto – Há um padrão na forma de atuação dos grupos?
Jorge - O escotismo é um movimento de caráter mundial. O uniforme, os distintivos, os símbolos e as práticas são padronizados internacionalmente. Os escoteiros se reúnem periodicamente em eventos estaduais, regionais, nacionais e, com menor freqüência em eventos internacionais para definir suas práticas e seus regulamentos. A diferença dos movimentos de um país para o outro são expressas pelos símbolos de cada nação. A flor-de-lis é o símbolo internacional, mas, por exemplo, no símbolo dos escoteiros do Brasil, o emblema tem um círculo no meio com o Cruzeiro do Sul e a bandeira nacional. Outra diferença é que os escoteiros fazem uma promessa de honra e paz que varia de acordo com a religião. No caso brasileiro, a jura é em nome de Deus. Já no caso dos muçulmanos é em nome de Alá. No caso dos escoteiros judeus, eles assumem os princípios de sua religião. Portanto, o movimento dos escoteiros é internacional, pluriétnico, multicultural e plurireligioso.
Contexto – Quem pode participar dos grupos escoteiros?
Jorge – Todos podem participar. Os escoteiros são divididos por categorias de acordo com a faixa etária. Existem quatro categorias: os lobinhos, que são crianças a partir dos sete anos de idade, os escoteiros, com idade entre os 11 e 14 anos, os seniores, que têm entre 15 e 18 anos, e os pioneiros, que são jovens com idade a partir dos 18 anos.
Contexto – O que diferencia o escotismo das metodologias educacionais tradicionais?
Jorge – O escotismo se identifica com as práticas que surgiram com as idéias dos pedagogos do movimento da Escola Nova ou Escola Ativa. A idéia é que ninguém dirige a sua educação, e sim você mesmo, ou seja, para ser uma pessoa que respeita a lei o indivíduo deve adquirir a consciência de que é importante para a sua vida respeitar a lei. Outro principio é que a educação está centrada naquele que está sendo educado e não em quem educa. No escotismo, a idéia de que todos aprendem juntos é mais forte do que o conceito de que o educador é quem detém o saber. Essa é a idéia do escotismo, centrar-se naquele que está sendo educado.
GRUPOS ESCOTEIROS DE SERGIPE
Região Escoteira de Sergipe
Endereço: Rua Anatólio Garcia Moreno, Bairro Industrial
Uirapuru - SEST SENAT
Endereço: Av. Tancredo Neves, 5657, Bairro Capucho - Aracaju
Email: uirapuru@globo.com
Site: http://www.escoteiros.tk/
Murilo Braga
Endereço: Rua Silvio Romero, s/n, Bairro Santo Antônio - Aracaju
Email: correia.conceicao@bol.com.br
Duque de Caxias
Endereço: Rua do Carmo, 93, Bairro Santo Antônio - Aracaju
Email: geduca_02@hotmail.com
Site: http://www.duquedecaxias.xpg.com.br/
Baden-Powell - Clube do Trabalhador SESI
Endereço: Av. Simeão Sobral s/n, Bairro Santo Antônio - Aracaju
Email: chefe_orlando@yahoo.com.br
Cruzeiro do Sul
Endereço:Rua Coronel Geraldo Pina, 33, Bairro São Conrado - Aracaju
Email: ulisses-cs@hotmail.com
(Para mais informações sobre os endereços dos grupos escoteiros nos municípios de Lagarto, Nossa Senhora do Socorro e Santo Amaro das Brotas, acesse o site da União dos Escoteiros do Brasil)
Por Cristiane Batista
Foto: Christiane Batista
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