Defensores do chamado ‘homeschooling’ se agarram no argumento de um ensino público básico deficitário para escamotear suas intenções religiosas doutrinárias e fundamentalistas aos seus filhos
Os problemas da educação pública no Brasil são evidentes. Falar dos vários defeitos já se tornou lugar-comum em páginas de jornal e debates nos meios de comunicação e nas academias. Professores mal preparados e mal pagos em instituições sucateadas fazem definhar o sonho de uma boa formação escolar gratuita – um dever essencial do Estado. Todavia, assim como brotam os problemas, as soluções também surgem na mesma proporção.
A última solução em voga no país tem nome e raízes estrangeiras. O homeschooling (algo como educação no lar, ou educação domiciliar) pode ser definido, segundo a enciclopédia eletrônica Wikipédia, como "aquele que é lecionado, no domicílio do aluno, por um familiar ou por pessoa que com ele habite", em oposição ao ensino numa instituição tal como uma escola pública ou privada ou cooperativa, e ao ensino individual, em que o aluno é ensinado individualmente por um professor diplomado.
Educação domiciliar nos Estados Unidos
Apesar de o homeschooling ser tido como o primeiro tipo de educação disponível na história, – no qual os ensinamentos são passados pelos pais aos filhos, antes dos pais mais abastados contratarem tutores e bem antes da criação das escolas – a sua vertente mais aceita atualmente, o unschooling (algo como des-escolar), termo cunhado pelo estado-unidense John Holt em 1977, vai ainda mais além e rejeita totalmente a necessidade de currículos.
E é exatamente no seu berço onde o homeschooling mais cresce. Aproximadamente 1,1 milhões de estudantes norte-americanos não freqüentam as salas de aula. O equivalente a 0,5% do total do número total de estudantes matriculados, quantia que inicialmente parece inexpressiva, mas que já foi motivo de capa da revista americana Time em 27 de agosto de 2001. O aumento do número de crianças educadas em casa foi creditado ao decréscimo de qualidade das escolas públicas americanas, somado a fatores imensuráveis como o aumento da influência da Direita norte-americana (até na Casa Branca) e até mesmo aos casos de assassinatos nas escolas (como o famoso caso Columbine) e de bullying.
A educação domiciliar é ainda regulamentada em países como Canadá, Inglaterra e México além de alguns Estados dos EUA. Ao todo, dois milhões de crianças seguem esse sistema de ensino, segundo a Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura). Em Portugal, embora a legislação permita o ensino doméstico, apenas quatro crianças, de três famílias diferentes, estavam recebendo este tipo de formação no ano letivo de 2006/2007. As crianças ainda têm de passar por exames anuais de equivalência, e ao chegar ao 9º ano do ensino básico, deverão ser inscritos por seus pais nos exames nacionais de Língua Portuguesa e Matemática, junto com os estudantes matriculados em instituições de ensino.
Educação domiciliar no Brasil
No nosso país, a prática é ainda menos difundida e proibida pela Justiça. Recentemente tornou-se público o caso da família Nunes de Timóteo, Minas Gerais. O casal Cléber de Andrade Nunes e Bernardeth Nunes responde a dois processos – um criminal, por abandono intelectual; outro cível, por infringir o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), que já resultou em uma condenação, porque seus filhos Davi, 15 anos, e Jônatas, 14, não freqüentam a escola há mais de dois anos.
Reais Intenções
Contudo, o que parece uma iniciativa legítima de pais preocupados com uma melhor formação para seus filhos esconde um viés de fundamentalismo religioso. Em todos os casos que correm na Justiça de pais que preferem ensinar seus filhos em casa, percebe-se que todas as famílias são adeptas de doutrinas religiosas ultra-conservadoras.
O casal Nunes, por exemplo, endossa o coro dos não satisfeitos com o ensino básico não pelos filhos terem escolas ou os professores ruins, mas porque "(....) A bibliografia desse currículo contém livros que aprovam a masturbação, o sexo oral e anal, o incesto e o sexo antes do casamento". Preferem, portanto, eles mesmos ensinarem as lições aos filhos, baseados no trivium (retórica, dialética e gramática) e quadrivium (aritmética, geometria, astronomia e música), métodos de ensino que datam do século XIII.
Há ainda autores tupiniquins que expandem a bibliografia conservadora pró-homeschooling. No blog Escola em casa, Júlio Severo dá dicas até de como os pais podem se esquivar da justiça – "Quando oculta de forma adequada, não há perigos, mas muitas vezes um parente, um vizinho ou um indivíduo desconhecido intervêm para delatar ao Conselho Tutelar” – além de traduzir textos em inglês de autores norte-americanos, como o de Charles Lowers, da Organização Considering Homeschool que, dentre outras coisas, incentivava aos pais da Califórnia a "rejeitar o ambiente pró-homossexualismo das escolas públicas". O ‘perigo homossexualizante’ do ensino básico no país ainda ilustra o texto do auto-intitulado filósofo Olavo de Carvalho, intitulado sugestivamente de ‘Educando para a boiolice'.
Problemas
Essa opção dos pais pela educação domiciliar tem seu preço. Vários educadores e pensadores já se manifestaram contra a prática pelas mais diferentes implicações que ela causa.
A mais citada é sem dúvidas a falta de socialização da criança e a perda do convívio escolar. A escola seria muito mais importante do que os conhecimentos que ela passa, mas “é fundamental que a criança constitua conhecimentos, que ela aprenda a negociá-los, a compartilhá-los. A família pode fornecer condições de socialização de outras formas, mas o difícil é ter esse contexto de sala de aula, de coletivo.” Palavras de Guiomar de Mello, que já foi secretária municipal de Educação em São Paulo e membro do Conselho Nacional de Educação, ao portal Aprendiz.
Da mesma opinião partilha a psicóloga Rosely Sayão. “É na escola que a criança tem a chance de passar a pensar com autonomia e independência, a ser crítica – e principalmente – com o que aprendeu com sua família. É assim que a vida funciona: os filhos recebem a orientação fundamental dos pais para conseguirem ter uma referência na vida, uma direção. Mas os rumos que vão trilhar, isso será escolha deles” – define a autora do livro “Como Educar Meu Filho?", lançado pela editora Publifolha.
Há ainda implicações de ordem logística na escolha pela educação domiciliar. A primeira é bem clara. Será que os pais realmente estão habilitados a assumir a função de professores formados e concursados? A essa dúvida crucial chega o autor americano Robert Paul Reyes. “Nem todos são qualificados para serem professores. Muitos pais não conseguem fazer balanços financeiros nem localizar o Iraque no mapa. Como deixá-los ensinar Álgebra e Geografia aos seus filhos?” [clique para ter acesso ao texto original]. O Sr. Nunes, do casal homeschooler mineiro, por exemplo, largou os estudos formais no 1º ano do ensino médio. Como saber se ele tem o manejo de ensino, mesmo com o material didático necessário?
Reyes chega a provocar seus compatriotas – “boa parte dos pais que fazem o homeschooling o fazem por não estarem satisfeitos com as escolas públicas. Me pergunto se esses mesmos pais tratam seus filhos seriamente doentes em casa, ao invés de levarem para os hospitais, por não estarem satisfeitos com o sistema público de saúde”.
Legislação
A Justiça Brasileira parece concordar com os críticos da Educação Domiciliar. Além do caso da família mineira, que já chegou a ser condenada, todos os pais que vem tentando adotar a prática vêm sendo impedidos, por juízes que se baseiam na Constituição Federal e no Estatuto da Criança e do Adolescente. A polêmica já chegou ao Superior Tribunal de Justiça, que reiterou as posições anteriores como a do Conselho Nacional de Educação, ao afirmar que:
Os filhos não são dos pais, como pensam os Autores. São pessoas com direitos e deveres, cujas personalidades se devem forjar desde a adolescência em meio a iguais, no convívio formador da cidadania. Aos pais cabem, sim, as obrigações de manter e educar os filhos consoante a Constituição e as Leis do país, asseguradoras do direito do menor à escola. Sobre os pareceres da Lei frente à permissão a Educação Domiciliar, destaca-se o artigo de Carlos Roberto Jamil Cury, doutor em Educação pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) e professor-adjunto da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC-MG). O estudo mostra como “O princípio da obrigatoriedade escolar em instituições escolares – que significa uma intervenção dos poderes públicos no sentido de criar espaços de socialização que conduzam a uma igualdade de oportunidades na oferta de conhecimentos básicos e na aquisição de valores básicos de referência”, vem sendo sistematicamente respeitado em todos os processos legais.
Os problemas da educação pública no Brasil são evidentes. Falar dos vários defeitos já se tornou lugar-comum em páginas de jornal e debates nos meios de comunicação e nas academias. Professores mal preparados e mal pagos em instituições sucateadas fazem definhar o sonho de uma boa formação escolar gratuita – um dever essencial do Estado. Todavia, assim como brotam os problemas, as soluções também surgem na mesma proporção.
A última solução em voga no país tem nome e raízes estrangeiras. O homeschooling (algo como educação no lar, ou educação domiciliar) pode ser definido, segundo a enciclopédia eletrônica Wikipédia, como "aquele que é lecionado, no domicílio do aluno, por um familiar ou por pessoa que com ele habite", em oposição ao ensino numa instituição tal como uma escola pública ou privada ou cooperativa, e ao ensino individual, em que o aluno é ensinado individualmente por um professor diplomado.
Educação domiciliar nos Estados Unidos
Apesar de o homeschooling ser tido como o primeiro tipo de educação disponível na história, – no qual os ensinamentos são passados pelos pais aos filhos, antes dos pais mais abastados contratarem tutores e bem antes da criação das escolas – a sua vertente mais aceita atualmente, o unschooling (algo como des-escolar), termo cunhado pelo estado-unidense John Holt em 1977, vai ainda mais além e rejeita totalmente a necessidade de currículos.
E é exatamente no seu berço onde o homeschooling mais cresce. Aproximadamente 1,1 milhões de estudantes norte-americanos não freqüentam as salas de aula. O equivalente a 0,5% do total do número total de estudantes matriculados, quantia que inicialmente parece inexpressiva, mas que já foi motivo de capa da revista americana Time em 27 de agosto de 2001. O aumento do número de crianças educadas em casa foi creditado ao decréscimo de qualidade das escolas públicas americanas, somado a fatores imensuráveis como o aumento da influência da Direita norte-americana (até na Casa Branca) e até mesmo aos casos de assassinatos nas escolas (como o famoso caso Columbine) e de bullying.
A educação domiciliar é ainda regulamentada em países como Canadá, Inglaterra e México além de alguns Estados dos EUA. Ao todo, dois milhões de crianças seguem esse sistema de ensino, segundo a Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura). Em Portugal, embora a legislação permita o ensino doméstico, apenas quatro crianças, de três famílias diferentes, estavam recebendo este tipo de formação no ano letivo de 2006/2007. As crianças ainda têm de passar por exames anuais de equivalência, e ao chegar ao 9º ano do ensino básico, deverão ser inscritos por seus pais nos exames nacionais de Língua Portuguesa e Matemática, junto com os estudantes matriculados em instituições de ensino.
Educação domiciliar no Brasil
No nosso país, a prática é ainda menos difundida e proibida pela Justiça. Recentemente tornou-se público o caso da família Nunes de Timóteo, Minas Gerais. O casal Cléber de Andrade Nunes e Bernardeth Nunes responde a dois processos – um criminal, por abandono intelectual; outro cível, por infringir o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), que já resultou em uma condenação, porque seus filhos Davi, 15 anos, e Jônatas, 14, não freqüentam a escola há mais de dois anos.
Reais Intenções
Contudo, o que parece uma iniciativa legítima de pais preocupados com uma melhor formação para seus filhos esconde um viés de fundamentalismo religioso. Em todos os casos que correm na Justiça de pais que preferem ensinar seus filhos em casa, percebe-se que todas as famílias são adeptas de doutrinas religiosas ultra-conservadoras.
O casal Nunes, por exemplo, endossa o coro dos não satisfeitos com o ensino básico não pelos filhos terem escolas ou os professores ruins, mas porque "(....) A bibliografia desse currículo contém livros que aprovam a masturbação, o sexo oral e anal, o incesto e o sexo antes do casamento". Preferem, portanto, eles mesmos ensinarem as lições aos filhos, baseados no trivium (retórica, dialética e gramática) e quadrivium (aritmética, geometria, astronomia e música), métodos de ensino que datam do século XIII.
Há ainda autores tupiniquins que expandem a bibliografia conservadora pró-homeschooling. No blog Escola em casa, Júlio Severo dá dicas até de como os pais podem se esquivar da justiça – "Quando oculta de forma adequada, não há perigos, mas muitas vezes um parente, um vizinho ou um indivíduo desconhecido intervêm para delatar ao Conselho Tutelar” – além de traduzir textos em inglês de autores norte-americanos, como o de Charles Lowers, da Organização Considering Homeschool que, dentre outras coisas, incentivava aos pais da Califórnia a "rejeitar o ambiente pró-homossexualismo das escolas públicas". O ‘perigo homossexualizante’ do ensino básico no país ainda ilustra o texto do auto-intitulado filósofo Olavo de Carvalho, intitulado sugestivamente de ‘Educando para a boiolice'.
Problemas
Essa opção dos pais pela educação domiciliar tem seu preço. Vários educadores e pensadores já se manifestaram contra a prática pelas mais diferentes implicações que ela causa.
A mais citada é sem dúvidas a falta de socialização da criança e a perda do convívio escolar. A escola seria muito mais importante do que os conhecimentos que ela passa, mas “é fundamental que a criança constitua conhecimentos, que ela aprenda a negociá-los, a compartilhá-los. A família pode fornecer condições de socialização de outras formas, mas o difícil é ter esse contexto de sala de aula, de coletivo.” Palavras de Guiomar de Mello, que já foi secretária municipal de Educação em São Paulo e membro do Conselho Nacional de Educação, ao portal Aprendiz.
Da mesma opinião partilha a psicóloga Rosely Sayão. “É na escola que a criança tem a chance de passar a pensar com autonomia e independência, a ser crítica – e principalmente – com o que aprendeu com sua família. É assim que a vida funciona: os filhos recebem a orientação fundamental dos pais para conseguirem ter uma referência na vida, uma direção. Mas os rumos que vão trilhar, isso será escolha deles” – define a autora do livro “Como Educar Meu Filho?", lançado pela editora Publifolha.
Há ainda implicações de ordem logística na escolha pela educação domiciliar. A primeira é bem clara. Será que os pais realmente estão habilitados a assumir a função de professores formados e concursados? A essa dúvida crucial chega o autor americano Robert Paul Reyes. “Nem todos são qualificados para serem professores. Muitos pais não conseguem fazer balanços financeiros nem localizar o Iraque no mapa. Como deixá-los ensinar Álgebra e Geografia aos seus filhos?” [clique para ter acesso ao texto original]. O Sr. Nunes, do casal homeschooler mineiro, por exemplo, largou os estudos formais no 1º ano do ensino médio. Como saber se ele tem o manejo de ensino, mesmo com o material didático necessário?
Reyes chega a provocar seus compatriotas – “boa parte dos pais que fazem o homeschooling o fazem por não estarem satisfeitos com as escolas públicas. Me pergunto se esses mesmos pais tratam seus filhos seriamente doentes em casa, ao invés de levarem para os hospitais, por não estarem satisfeitos com o sistema público de saúde”.
Legislação
A Justiça Brasileira parece concordar com os críticos da Educação Domiciliar. Além do caso da família mineira, que já chegou a ser condenada, todos os pais que vem tentando adotar a prática vêm sendo impedidos, por juízes que se baseiam na Constituição Federal e no Estatuto da Criança e do Adolescente. A polêmica já chegou ao Superior Tribunal de Justiça, que reiterou as posições anteriores como a do Conselho Nacional de Educação, ao afirmar que:
Os filhos não são dos pais, como pensam os Autores. São pessoas com direitos e deveres, cujas personalidades se devem forjar desde a adolescência em meio a iguais, no convívio formador da cidadania. Aos pais cabem, sim, as obrigações de manter e educar os filhos consoante a Constituição e as Leis do país, asseguradoras do direito do menor à escola. Sobre os pareceres da Lei frente à permissão a Educação Domiciliar, destaca-se o artigo de Carlos Roberto Jamil Cury, doutor em Educação pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) e professor-adjunto da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC-MG). O estudo mostra como “O princípio da obrigatoriedade escolar em instituições escolares – que significa uma intervenção dos poderes públicos no sentido de criar espaços de socialização que conduzam a uma igualdade de oportunidades na oferta de conhecimentos básicos e na aquisição de valores básicos de referência”, vem sendo sistematicamente respeitado em todos os processos legais.
Por Luiz Paulo
13 comentários:
Mandar a criança para escola pra quê? Pra aprender a falar palavrão, usar drogas e tudo mais o que não presta?
Il semble que vous soyez un expert dans ce domaine, vos remarques sont tres interessantes, merci.
- Daniel
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