15 novembro, 2006

Sucessão de erros e mal-entendidos culmina com a prisão de estudantes e advogados

Uma sucessão de erros e mal-entendidos – que sem muito esforço montariam um cenário tragicamente cômico – caracterizou o desfecho da última manifestação do Movimento Passe Livre (MPL), no dia 26/10. O evento, que até então se desenrolara pacificamente, culminou com a prisão de três militantes, dois advogados e o afastamento de um policial militar.

Toda a confusão começou por volta das 18h, no terminal de ônibus do centro de Aracaju, último ponto de protesto do MPL. O estudante Eduardo estava dentro de um ônibus voltando para casa quando um grupo de policiais militares (PMs), comandado pelo segundo tenente José André Lima, o revistou e o algemou imediatamente. Encontraram um tubo de ‘spray’ em sua mochila e alegaram que ele fora utilizado para pichar uma guarita durante a manifestação.

Pronto. Depois disso, nenhuma outra informação é tão certa ou tão clara.

Outros militantes, empáticos à condição do colega, tentaram ajudar enquanto os policiais mantinham posição resoluta. Nesse ínterim, foram acionados os advogados Thiago José de Carvalho Oliveira e José Umberto de Góes Júnior, que em pouco tempo chegaram ao local. Ambos praticam advocacia popular, e costumam defender movimentos sociais.

Oliveira conta que assim que chegou buscou o comandante da operação para saber a razão do aprisionamento. Explicou-o que nenhum cidadão pode ser preso sem conhecimento do motivo. Mas, segundo o advogado, o tenente retrucou: “eu prendo porque eu quero, e prendo você se quiser”. Dito e feito. Porém, conforme os PMs, eles tiveram que agir assim porque foram desacatados, não o contrário.

Do outro lado, os estudantes protestam terem sofrido agressões sem justificativa, como Danilo de Santana Bezerra, enforcado por um policial. Os PMs, por sua vez, afirmam que o ato foi de legítima defesa.

Para o delegado da Polícia Civil, Mário Leoni, na verdade houve falta de equilíbrio na condução, ou até falta de disposição na negociação pelas duas partes.

No final das contas, todos os envolvidos foram levados à Delegacia Plantonista: Danilo, Eduardo, Thiago; e ainda Antonio Vinícius Oliveira Gonçalves, que tentou interceder na prisão de Danilo, e Umberto, que quando tentava cobrir seu colega de trabalho foi empurrado por um policial e caiu no chão – mas ele não recebeu voz de prisão. Alexandre Maciel, outro advogado convocado para auxiliar os presos, também foi detido. Para resumir: formou-se uma confusão geral.

A cena acabou com a chegada da cúpula da Ordem dos Advogados de Sergipe (OAB/SE) à delegacia, composta pelo presidente em exercício, Thenisson Santana Dória, presidente licenciado, Henry Clay, e uma comitiva de conselheiros, que exigiu a imediata soltura de todos os envolvidos por falta de provas.

Conseqüências

Depois da intervenção dos membros da OAB, os dois advogados presos fizeram um boletim de ocorrência (BO) sobre o comportamento dos PMs, que julgaram arbitrário, e pretendem entrar com uma ação por danos morais.

Já a própria OAB entrou com uma representação junto ao Ministério Público para que este movesse uma ação contra os policiais por abuso de poder sobre os advogados, pois eles não podem ser presos em pleno exercício de sua função. A não ser com a presença de um integrante da Ordem.

O segundo tenente, José André Lima, foi afastado de sua função, e o estudante Eduardo terá de responder a processo por crime contra o patrimônio público. Os outros estudantes nem foram fichados por falta de provas.

Flagrante

Toda a confusão teve início quando os PMs encontraram um tubo de pichação dentro da mochila de Eduardo. Para o advogado Thiago Oliveira, a detenção do estudante por esse motivo constituiu um ato inconstitucional, já que para ser preso o indivíduo precisa ser pego no ato. Porém, não é bem isso que dita o Código de Processo Penal. Esta é a transcrição do artigo 302: “Considera-se em flagrante delito quem: I- está cometendo a infração penal; II- acaba de cometê-la; III- É perseguido, logo após, pela autoridade, pelo ofendido ou por qualquer pessoa, em situação que faça presumir ser autor da infração; e IV- é encontrado, logo depois, com instrumentos, armas, objetos ou papéis que façam presumir ser ele autor infração”.

De acordo com a professora Andréa Depieri do Departamento de Direito da Universidade Federal de Sergipe (UFS), a lei dá margem a várias interpretações.


Movimento Passe Livre

O MPL é um movimento social e surgiu no dia 26/10 de 2001 no Fórum Social Mundial, depois de anos de discussão a seu respeito. Ele visa uma mudança lenta e criteriosa do sistema de transportes. Essa mudança deve se dar por etapas – a primeira delas o passe livre para todos os estudantes – até que se chegue ao controle operário do sistema.

O Movimento está espalhado por 26 cidades brasileiras, nem todas capitais, e todos os grupos devem obedecer aos mesmos princípios: horizontalidade (não existe hierarquia entre os membros e por isso todos são iguais); apartidarismo; autonomia e independência.
Em Aracaju, o movimento ainda busca ganhar notoriedade social, e assim aumentar o número de integrantes.
O dia 26/10 é o Dia Nacional do Passe Livre.

Por João Eduardo Serpa

Para maiores informações sobre o Movimento Passe Livre em Aracuju, acesse o Blog:

http://mplaracaju.fotopic.net/

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