27 junho, 2007

Filhos do Coração

Cresce o número de adoções em Sergipe, mas preconceitos dos casais ainda emperram os processos


Etani de Souza Fontes é uma sergipana que, como outras tantas mulheres, sempre teve o sonho de casar e ter filhos. Mas o seu sonho ia além, pois ela também almejava criar os filhos de outras mulheres quando os seus estivessem crescidos e bem criados. Assim, Fontes casou-se e teve cinco filhos biológicos. Porém, como ela mesma afirma, nada foi igual ao que havia sonhado: ela se separou e conheceu o seu atual marido, José Roberto de Souza. Decorridos três anos de convivência, a outra parte do seu sonho foi realizada: hoje, ela é mãe de 46 filhos adotivos.

A primeira adoção aconteceu em quatro de junho de 1991. O filho mais velho, entre os adotados, tem 15 anos e o mais novo apenas um ano. Fontes confessa que se surpreendeu com a intensidade do sentimento que nutre igualmente tanto pelos filhos biológicos quanto pelos adotivos. “O amor não tem diferença. E a coisa que mais agradeço a Deus é que meus biológicos vestiram a minha camisa e são irmãos fiéis de todos”, orgulha-se Fontes. Ela ainda faz questão de dizer que o seu lar não é creche, nem orfanato ou abrigo. “Eles são os meus filhos”, afirma a mãe protetora.

Preconceitos e dilemas

No ano de 2006, foram efetuadas 94 adoções em Sergipe, um crescimento de 30% em relação ao ano de 2005. E a estimativa é a de que esse número seja ultrapassado em 2007, uma vez que já foram registradas pouco mais de 60 adoções somente neste primeiro semestre. Apesar desse crescimento, o juiz da Infância e da Juventude, Ricardo Múcio Santana de Abreu Lima, faz questão de frisar que o preconceito racial é profundo e tem limitado bastante o processo de adoção. “Já chegaram casais negros querendo adotar crianças de pele clara; o preconceito é tanto de quem é negro quanto de quem tem pele clara”.

“As pessoas precisam se conscientizar de que filho independe de cor, de sexo, de deficiência”, diz Fontes, que entre seus 46 filhos adotivos, é mãe de 4 negros e de um com necessidades especiais. Segundo o juiz Ricardo Múcio, um dos motivos dos pais de pele clara não quererem adotar crianças negras ou pardas, é o receio de verem os seus filhos sendo apontados como adotivos pela sociedade. Sobre essa questão, o juiz da Infância e da Juventude é enfático ao dizer que o grande crime de quem adota uma criança é não comunicá-la que é adotada. “Os próprios psicólogos dizem que até os cinco, seis anos, a criança deve saber que é adotada”, explica o juiz.

O dilema de saber a hora certa de contar ou mesmo de não contar para as crianças, não foi enfrentado por Fontes. Com sua sabedoria de mãe, ela aconselha aos pais adotivos que contem aos seus filhos, desde pequeninos, que são adotados. “Foi assim que fiz aqui e me dei super bem”. Segundo Fontes, já a partir do primeiro ano de vida, ela e seu marido começam a pronunciar palavras como “filhinho(a) do coração”. E quando eles vão adquirindo mais entendimento, passam a esclarecer melhor as coisas. Entretanto, ela explica que “tem histórias que eu jamais vou poder contar, porque aí eu vou machucar os meus filhos”.

Adoção em Sergipe

Apesar do caso de Etani de Souza Fontes ser singular pela quantidade de filhos que adotou, a 16ª Vara Cível do Juizado da Infância e da Juventude de Sergipe possui 37 casais cadastrados que esperam realizar o mesmo sonho: adotar um filho. Segundo o juiz da Infância e da Juventude, Ricardo Múcio, esses casais só estão na lista de espera devido às suas próprias exigências, que não são compatíveis com a realidade das crianças que estão aptas à adoção.

Geralmente os casais interessados em adotar – dos quais 80% não possuem filhos biológicos – desejam meninas de até três meses de idade e de pele clara. Entretanto, hoje, Sergipe possui apenas 10 crianças aptas à adoção, negras e com idade acima dos cinco anos. Segundo Ricardo Múcio, há um preconceito racial muito grande. “Esses casais chegam ao Juizado e acham que existe burocracia porque eles passam três, um ano, à espera do que idealizaram; aqui não é um supermercado, eu não tenho a criança que eles desejam”, afirma o juiz.

Embora existam 300 crianças e adolescentes distribuídos pelos 11 abrigos do estado, nem todos estão aptos à adoção. No Brasil, das 80 mil crianças abrigadas, apenas 10% delas estão aptas a serem adotadas. O juiz da Infância e da Juventude explica que essas crianças estão abrigadas temporariamente devido a conflitos familiares ou por questões financeiras, mas elas recebem visitas de familiares ou parentes. Uma criança só estará apta a integrar outra família, quando mal-tratada pelos pais. Neste caso, ela é levada a um abrigo, os pais são processados e, por meio de uma ação proposta pelo Ministério Público, efetua-se a ‘Destituição do Poder Familiar’. “Isso quer dizer que judicialmente esta criança terá uma certidão de nascimento livre e que ela não possuirá mais vínculo nenhum com a sua família de origem”, explica o juiz.

Processo de adoção

Todo processo de adoção e suas conseqüências realizados na instância oficial é absolutamente gratuito. Independente do estado civil, os pretendentes à adoção devem ter idade igual ou superior a 18 anos, devendo ainda ser 16 anos mais velho que o adotando. Em caso dos interessados serem pessoas casadas ou com união estável, basta que um deles tenha os 18 anos, comprovando-se a estabilidade familiar. O processo de adoção inicia-se com o prévio cadastro dos interessados na Vara da Infância e da Juventude ou no Fórum local.

Em seguida, eles serão atendidos por assistentes sociais e psicólogos. Estes encaminharão um laudo psicossocial ao juiz que, por sua vez, habilitará ou não os interessados à adoção. “Os pretendentes têm que preencher os requisitos de honra, de emprego fixo; tem que ter o mínimo de condição moral, social e econômica”, afirma o juiz da Infância e da Juventude, Ricardo Múcio. Encontrado a criança desejada, o juiz assina um termo de entrega, marca uma audiência e outro estudo social e, então, é liberada a certidão de nascimento. Um processo que leva em média 45 dias.

Outra característica do processo de adoção é a sua irreversibilidade, ou seja, uma vez efetuada, a adoção não poderá ser desfeita. “Depois da sentença creditada e julgada não pode haver desistência mesmo que o casal tenha filhos biológicos depois da adoção”, enfatiza o juiz da Infância e da Juventude. E perante a Lei, os filhos adotivos e biológicos terão os mesmos direitos no âmbito familiar e social.

Por Tiale Acrux

Fotografia:
Tiale Acrux/Blog do Contexto

2 comentários:

Anônimo disse...

Parabens Tiale pela ótima matéria. Considero-a como a melhor matéria do blog neste período...
Muito legal mesmo pq vc conseguiu captar a questão e abordá-la de uma maneira muito coerente.

Anônimo disse...

Tiale essa valeu viu!!!! Arrasou, adoreii!!!! tah maasssaa!!! A matéria fica mais próxima do leitor quando tem personagem. Olhe, foi muito bem pensada pq o mais comum seria uma matéria burocrática. Mas você fez bonito e mostrou que o Blog do Contexto, apesar de estar trabalhando com o que sai no mercado, faz diferente,a informação tem qualidade!!! um bjo Parabéns!! E só para não cair no esquecimento, a palavra do ano: FORÇA!!!