Depois de debates públicos, discussões apaixonadas via TV, greves de fome, diversos protestos, textos e livros publicados, foram iniciadas as obras do polêmico projeto de transposição das águas do Rio São Francisco. O projeto posto em ação circulou no Congresso por mais de 20 anos. Mas a idéia central de transferir água para o semi-árido remonta ao reinado de Dom Pedro II. De lá até a chegada dos 50 militares do 2º Batalhão de Engenharia do Exército em Cabrobó (PE), no dia 4 de junho, muito se discutiu. E, pela quantidade de argumentos expostos por apoiadores e opositores ao projeto, a polêmica ainda persistirá.
Melhor alternativa
A transposição do São Francisco é um projeto de uso múltiplo das águas, ou seja, o volume desviado será aproveitado para diversas atividades. Mas segundo material disponibilizado no site do Ministério da Integração Nacional, a principal atribuição dos canais será a de atender a população das regiões do semi-árido nordestino que sofre com o problema da seca. Como é o caso das populações dos estados do Ceará, Rio Grande do Norte e Paraíba que não dispõem, em seu território, de uma fonte permanente de água, isto é, que não possuem rios perenes, como é o caso do São Francisco. O governo federal estima que mais de 300 municípios e cerca de 12 milhões de pessoas serão beneficiadas com a canalização das águas do rio.
O processo de abastecimento de rios temporários é visto pelos defensores do projeto como o melhor meio para amenizar a seca nordestina. Poços, açudes e cisternas, medidas já utilizadas para combater a falta de chuvas, são tidas por insuficientes e de caráter temporário para grandes áreas. “[As cisternas] são uma alternativa interessante para moradores de localidades longínquas, onde não passam adutoras. Mas não se pode pensar nessa solução para atender, por exemplo, uma cidade como Campina Grande, que tem 400 mil habitantes”, argumenta Pedro Brito, um dos coordenadores gerais do projeto, na página dedicada à transposição.
Entretanto, um dos argumentos mais recorrentes entre aqueles que se opõem à obra está relacionado à revitalização: as obras de transposição estariam sendo realizadas em detrimento da necessária preservação do rio. Mas segundo o superintendente da Companhia de Desenvolvimento do Vale do São Francisco (CODEVASF), Antônio Viana, o processo de revitalização já está em curso, tendo, inclusive, sido iniciado no estado de Sergipe em 2006 no município de Neópolis. Viana também informa que serão investidos R$15 milhões em um projeto de esgotamento sanitário que será discutido brevemente em 19 municípios situados na calha do Rio São Francisco. O superintendente não vê problema na simultaneidade dos projetos de revitalização e transposição, mas faz adendos. “Ambos podem ser realizados ao mesmo tempo, mas dependerá da ênfase que o governo dará a cada um deles”, diz. “Revitalizar não é só obra de engenharia, mas também de educação. Não adiantará nada se a sociedade não mudar o comportamento em relação ao rio”, explica Antônio Viana.
Adequação ao Ambiente
Esmeralda Bezerra é bióloga e reside em Paulo Afonso, município baiano cortado pelo São Francisco e cercado pelas barragens de uma usina hidrelétrica. Sua criação sertaneja a fez conviver com açudes e cisternas e a argumentar em favor destas medidas como alternativas menos onerosas à transposição. “As águas de uma cisterna chegam a durar quatro anos”, afirma a bióloga. Para ela, dois dos argumentos utilizados pelo governo contra as cisternas, como a contaminação recorrente e falta de chuvas, são discutíveis. Isto porque, para a resolução do primeiro problema, bastariam medidas sanitárias simples e educação rural. Para o segundo, a solução estaria em uma experiência internacional: “no deserto de Atacama (Chile), onde chove menos da metade que no semi-árido nordestino, foi desenvolvido um sistema que preserva a água da evaporação”, cita Bezerra.
Segundo textos publicados no site do Ministério da Integração Nacional, o volume de água despejado pelo São Francisco no mar é visto como um excedente. A bióloga também discorda desse argumento. “A água doce do rio equilibra a salinização do oceano, possibilitando a reprodução de várias espécies”, defende. Segundo Bezerra, uma alteração no volume de águas, por mínima que seja, provocará um desequilíbrio tal na constituição da água do mar que comprometerá o ciclo reprodutivo de diversos organismos. Para ela, medidas locais, como açudes, poços e cisternas, são mais eficientes, uma vez que são mais baratas e não causam tantos danos ambientais. “O homem quer adequar o ambiente a ele, quando na verdade ele é que deveria se adequar ao ambiente”, sentencia.
Oposição
O geógrafo e pesquisador de desenvolvimento regional pela UFPE Sérgio Malta também reside em Paulo Afonso. Lá, participou de diversas reuniões sobre a transposição e coordenou o Comitê Local de Bacias Hidrográficas. Sua oposição ao projeto perpassa diversos aspectos, mas o primeiro para o qual chama atenção é o político. “Está claro que esse projeto servirá para expandir os interesses de grandes empreiteiras, que irão abocanhar uma fatia significativa de investimentos”, acusa Malta. O geógrafo também lembra que os R$5 bilhões que serão investidos na transposição serão levantados junto ao Banco Mundial e investidores internacionais. “A transposição reforçará ainda mais o endividamento externo do país”, adverte Sérgio Malta.
Para prosseguir sua argumentação, o pesquisador começou a folhear um calhamaço preso a clip. Tratava-se do Relatório de Impacto Ambiental encomendado pelo próprio governo federal a fim de enumerar prováveis conseqüências da transposição. Nesse documento, estão registradas e detalhadas 44 alterações no meio-ambiente. Relata-se que, além de provocar desequilíbrio na fauna terrestre e aquática, a transposição trará sérias conseqüências para o solo da região. Malta ressalta que, como a construção de canais mexe com a dinâmica do solo, as obras intensificarão ainda mais o processo de desertificação do semi-árido.
Um dos opositores da transposição, o pesquisador João Suassuna, sugeriu, há cerca de quatro anos, a realização de um projeto quase 10 vezes mais barato que o do governo federal: a integração das bacias Tocantins/São Francisco. Segundo o estudioso, a transposição foi planejada com a ânsia de se querer levar água a qualquer custo, sem uma preocupação com a necessária averiguação das reais possibilidades das fontes supridoras.
A despeito da polêmica, as obras prosseguem. Entusiastas e opositores terão até 2010 – data estimada para o término das obras – para comprovar, ou não, seus argumentos.
Por Igor Matheus
Infográfico sobre a transposição do São Francisco
Fonte: Agência Brasil
Links relacionados:
Ministério da Integração Nacional
Melhor alternativa
A transposição do São Francisco é um projeto de uso múltiplo das águas, ou seja, o volume desviado será aproveitado para diversas atividades. Mas segundo material disponibilizado no site do Ministério da Integração Nacional, a principal atribuição dos canais será a de atender a população das regiões do semi-árido nordestino que sofre com o problema da seca. Como é o caso das populações dos estados do Ceará, Rio Grande do Norte e Paraíba que não dispõem, em seu território, de uma fonte permanente de água, isto é, que não possuem rios perenes, como é o caso do São Francisco. O governo federal estima que mais de 300 municípios e cerca de 12 milhões de pessoas serão beneficiadas com a canalização das águas do rio.
O processo de abastecimento de rios temporários é visto pelos defensores do projeto como o melhor meio para amenizar a seca nordestina. Poços, açudes e cisternas, medidas já utilizadas para combater a falta de chuvas, são tidas por insuficientes e de caráter temporário para grandes áreas. “[As cisternas] são uma alternativa interessante para moradores de localidades longínquas, onde não passam adutoras. Mas não se pode pensar nessa solução para atender, por exemplo, uma cidade como Campina Grande, que tem 400 mil habitantes”, argumenta Pedro Brito, um dos coordenadores gerais do projeto, na página dedicada à transposição.
Entretanto, um dos argumentos mais recorrentes entre aqueles que se opõem à obra está relacionado à revitalização: as obras de transposição estariam sendo realizadas em detrimento da necessária preservação do rio. Mas segundo o superintendente da Companhia de Desenvolvimento do Vale do São Francisco (CODEVASF), Antônio Viana, o processo de revitalização já está em curso, tendo, inclusive, sido iniciado no estado de Sergipe em 2006 no município de Neópolis. Viana também informa que serão investidos R$15 milhões em um projeto de esgotamento sanitário que será discutido brevemente em 19 municípios situados na calha do Rio São Francisco. O superintendente não vê problema na simultaneidade dos projetos de revitalização e transposição, mas faz adendos. “Ambos podem ser realizados ao mesmo tempo, mas dependerá da ênfase que o governo dará a cada um deles”, diz. “Revitalizar não é só obra de engenharia, mas também de educação. Não adiantará nada se a sociedade não mudar o comportamento em relação ao rio”, explica Antônio Viana.
Adequação ao Ambiente
Esmeralda Bezerra é bióloga e reside em Paulo Afonso, município baiano cortado pelo São Francisco e cercado pelas barragens de uma usina hidrelétrica. Sua criação sertaneja a fez conviver com açudes e cisternas e a argumentar em favor destas medidas como alternativas menos onerosas à transposição. “As águas de uma cisterna chegam a durar quatro anos”, afirma a bióloga. Para ela, dois dos argumentos utilizados pelo governo contra as cisternas, como a contaminação recorrente e falta de chuvas, são discutíveis. Isto porque, para a resolução do primeiro problema, bastariam medidas sanitárias simples e educação rural. Para o segundo, a solução estaria em uma experiência internacional: “no deserto de Atacama (Chile), onde chove menos da metade que no semi-árido nordestino, foi desenvolvido um sistema que preserva a água da evaporação”, cita Bezerra.
Segundo textos publicados no site do Ministério da Integração Nacional, o volume de água despejado pelo São Francisco no mar é visto como um excedente. A bióloga também discorda desse argumento. “A água doce do rio equilibra a salinização do oceano, possibilitando a reprodução de várias espécies”, defende. Segundo Bezerra, uma alteração no volume de águas, por mínima que seja, provocará um desequilíbrio tal na constituição da água do mar que comprometerá o ciclo reprodutivo de diversos organismos. Para ela, medidas locais, como açudes, poços e cisternas, são mais eficientes, uma vez que são mais baratas e não causam tantos danos ambientais. “O homem quer adequar o ambiente a ele, quando na verdade ele é que deveria se adequar ao ambiente”, sentencia.
Oposição
O geógrafo e pesquisador de desenvolvimento regional pela UFPE Sérgio Malta também reside em Paulo Afonso. Lá, participou de diversas reuniões sobre a transposição e coordenou o Comitê Local de Bacias Hidrográficas. Sua oposição ao projeto perpassa diversos aspectos, mas o primeiro para o qual chama atenção é o político. “Está claro que esse projeto servirá para expandir os interesses de grandes empreiteiras, que irão abocanhar uma fatia significativa de investimentos”, acusa Malta. O geógrafo também lembra que os R$5 bilhões que serão investidos na transposição serão levantados junto ao Banco Mundial e investidores internacionais. “A transposição reforçará ainda mais o endividamento externo do país”, adverte Sérgio Malta.
Para prosseguir sua argumentação, o pesquisador começou a folhear um calhamaço preso a clip. Tratava-se do Relatório de Impacto Ambiental encomendado pelo próprio governo federal a fim de enumerar prováveis conseqüências da transposição. Nesse documento, estão registradas e detalhadas 44 alterações no meio-ambiente. Relata-se que, além de provocar desequilíbrio na fauna terrestre e aquática, a transposição trará sérias conseqüências para o solo da região. Malta ressalta que, como a construção de canais mexe com a dinâmica do solo, as obras intensificarão ainda mais o processo de desertificação do semi-árido.
Um dos opositores da transposição, o pesquisador João Suassuna, sugeriu, há cerca de quatro anos, a realização de um projeto quase 10 vezes mais barato que o do governo federal: a integração das bacias Tocantins/São Francisco. Segundo o estudioso, a transposição foi planejada com a ânsia de se querer levar água a qualquer custo, sem uma preocupação com a necessária averiguação das reais possibilidades das fontes supridoras.
A despeito da polêmica, as obras prosseguem. Entusiastas e opositores terão até 2010 – data estimada para o término das obras – para comprovar, ou não, seus argumentos.
Por Igor Matheus
Infográfico sobre a transposição do São Francisco
Fonte: Agência Brasil
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