23 janeiro, 2008

Passarela sem caranguejo




Manguezal da 13 de Julho agoniza e perde espécies, mas, sobretudo, resiste à cidade

É pau, é pedra, é resto de toco e de lixo. Um passeio simples e desinteressado pelo calçadão que margeia o mangue da 13 de Julho é mais do que suficiente para que o olfato seja imediatamente desestimulado e a visão, confundida. Isso porque não é concebível que sacos plásticos, garrafas de vidro, vassouras, tênis, jornais, pedaços de treliça e de armários e um colete com canudo para ingestão de bebidas – herança do Pré-caju – tenham surgido da lama do manguezal. Mas mesmo agredidos defronte ao paredão de edifícios, plantas e animais tentam resistir aos detritos – enquanto a população, horrorizada, confunde lama com sujeira e reclama de seu próprio cheiro.

Alicerce Natural

O contraste entre o verde e os edifícios de concreto é óbvio e os problemas, para a professora Myrna Landim do Departamento de Biologia da UFS, são muito claros. “O adensamento populacional da região e a falta de tratamento de esgoto são os principais fatores negativos da convivência entre manguezal e 13 de Julho. Landim, que é co-autora do artigo “Manguezais do Rio Sergipe”, lembra que Aracaju ainda não atingiu o percentual máximo de tratamento de esgotos e frisa um clássico equívoco da população que passa pela região. “Muitos reclamam que o mangue não cheira bem e atrapalha a vista, mas esquecem que o problema maior é o esgoto despejado in natura ali. Mangue não é sujo. O mangue poluído é que é.”

A presença do mangue na área nobre da capital já incomodou empresários e administrações passadas. O aterramento total da área já foi cogitado. Medidas similares anteriores, entretanto, não foram felizes. “A Coroa do Meio era uma região estável e coberta por manguezais. Quando o governo decidiu urbaniza-las, aterrou tudo. Resultado: muita erosão, quarteirões inteiros perdidos e dinheiro público literalmente enterrado na área”, enumera Landim. A professora estabelece que o mangue da 13 de Julho, além de habitat para uma série de espécies, é um dos principais contribuidores para a proteção e estabilização do Rio Sergipe - que está repleto de bancos de areia e poluentes resultantes do mau uso do solo ao longo da bacia hidrográfica. “É insensato querer retirar um sistema que não prejudica ninguém e preserva a estabilidade da zona costeira. Quando houve Tsunami na Ásia, as pessoas buscaram refúgio embaixo do mangue”, completa.

Vermes: só eles lucram

A retirada do mangue causaria a anulação imediata da fauna e da flora locais. Mas entre garrafas e sacos plásticos, a situação dos organismos da área não é muito próspera. Estudos recentes do nível de contaminação da água da praia 13 de Julho demonstraram números inaceitáveis de dejetos para a sobrevivência de seres aquáticos. O caranguejo-uçá, por exemplo, simplesmente desapareceu da região. Segundo a professora Carmen Guimarães, da UFS e também co-autora do artigo “Manguezais de Sergipe”, a degradação contribuiu para a multiplicação de vermes poliquetos Capitella Capitata e Laconereis Acuta. Apesar de não serem prejudiciais ao homem, esses organismos são característicos de ambientes agredidos e intoxicados. “O excesso de material orgânico proveniente do lixo provoca a ampliação dessas espécies”, explica Guimarães.

Sustento ameaçado

Não é necessário ser biólogo para inferir que, na água do mangue da 13 de Julho, constantemente freqüentada por ratos – espécies exóticas ao ecossistema -, não há animais potencialmente comestíveis. O problema, porém, não pareceu incomodar o pescador Cláudio dos Santos. Sentado à beira do canal, Santos aguardava pacientemente o surgimento de bagres. “Só tem aqui”, justificou. Sobre isso, Myrna Landim alerta. “Todos comem caranguejo, sururu, lambreta, bagre. Todos vivem do mangue. A contaminação da área é um problema de saúde pública.”


Por Igor Matheus

Fotos: Igor Matheus

Um comentário:

Raquel Brabec disse...

Mt Bom!

"Redondinha", com diria um professor nosso.

Abraços