17 julho, 2008

Por uma política de boa convivência

Projeto conscientiza a comunidade da UFS em relação a maus-tratos aos animais que vivem no campus

"Isso é um reflexo da crise do ser humano com a própria espécie, pois quem faz um ato desses dificilmente deve ter tido a oportunidade de conviver com um animal, porque se tivesse, não teria coragem de causar tal sofrimento a esses bichos, uma morte lenta, dolorosa, um ato desumano". É assim que uma das coordenadoras do Projeto Ecológico UFS e professora de Geografia do Colégio de Aplicação, Mirian Guedes Nascimento, define o assassinato dos seis gatos e um cachorro por envenenamento há aproximadamente duas semanas na Universidade Federal de Sergipe (UFS).

Ela conta que ficou sabendo do ocorrido no fim da tarde do dia 1º, quando um animal foi encontrado por um trabalhador da UFS. No dia seguinte, as pessoas envolvidas no projeto sentiram falta de outros animais e fizeram uma vistoria no espaço do campus e encontraram os outros corpos, alguns já em estado de putrefação. "Todos eles tinham a mesma aparência e foi constatado pelo Departamento de Farmácia que realmente foi um envenenamento proposital. Nós tínhamos a esperança de que tivesse sido um acidente, mas os gatos são animais que não comem nada estragado, então tinha que ser algo que não deixasse rastro", afirma indignada.

O chefe da Divisão de Vigilância da universidade (Divig), Lindomar Silva, diz que não há nenhuma suspeita sobre possíveis culpados do envenenamento, principalmente pelo fato de muitas pessoas alimentarem os animais - o que, em sua opinião, torna impossível saber qual comida estava estragada e qual não estava. Além disso, ele revela que não há pessoal suficiente no departamento para ajudar a tomar conta dos animais. "Não tem como colocá-los na nossa rota de trabalho para dar uma maior assistência. Ou a gente cuida do patrimônio ou a gente cuida dos bichos. Nós só podemos ajudar mesmo no campo educativo, com a distribuição de panfletos, conscientizando as pessoas. Infelizmente não dá para fazer um plano de ação e ir em busca dos culpados", lamenta.

O início do projeto

Segundo Mirian Guedes, o programa surgiu em 2007 a partir da união de pessoas que já praticavam ações individuais. "A maioria era professores e alguns alunos que costumavam trazer rações de suas casas e colocar nos locais onde os animais se encontravam. Como todos tinham a mesma intenção, decidimos somar nossas ações, discutir, e a partir daí nasceu o projeto", explica. Ela diz que o sumiço de alguns animais ocorrido na Páscoa do ano passado os motivou anda mais a formalizar o projeto.

A coordenadora conta que, após receber o apoio da Pró-Reitoria de Extensão, uma das primeiras ações do grupo foi convidar a médica sanitarista e clínica veterinária Margareth Porto Pinheiro, que trabalha no Centro de Controle de Zoonoses de Aracaju, para proferir uma palestra sobre toxoplasmose, já que havia muitos boatos na UFS a respeito do contágio da doença através daqueles gatos. "A médica explicou que é praticamente impossível que alguém pudesse contrair toxoplasmose aqui na universidade, porque é preciso que o animal esteja infectado, que ele esteja no período da reprodução, e também que a pessoa tenha contato direto com as fezes já ressecadas, passados 10 ou 15 dias. Só assim se pega a doença, não é só olhar para um animal e dizer que ele tem toxoplasmose", esclarece.

Políticas públicas

Mirian faz questão de frisar que o problema dos animais não é um fato específico que ocorre apenas na UFS, e sim uma situação geral que acontece em qualquer espaço público. "A diferença é o tratamento que se dá a essa questão. Algumas cidades que optaram por sacrificar esses animais, por exemplo, perceberam que essa era uma ação antiética, desumana e cara para os cofres públicos, já que eles se reproduzem muito rápido. Em São Paulo chegava-se a sacrificar 30.000 animais por ano", afirma a coordenadora.

A professora garante que isso nunca resolveria o problema, pois uma cadela e seus descendentes geram 64.000 animais em um período de seis anos e uma gata e seus descendentes dão origem a 420.000 filhotes em um prazo de sete anos. Ela conta que os governos e prefeituras passaram a adotar uma política pública de esterilização gratuita, que é muito mais eficiente e menos cruel. "Aqui na UFS nós já fizemos isso com alguns animais com nosso próprio dinheiro, mas não é todo mundo que pode pagar por isso, pois tem lugar que chega a cobrar R$ 300", declara.

Para dar uma visibilidade maior ao problema e tentar chegar a possíveis soluções, Mirian anuncia que o Projeto Ecológico UFS tem uma parceria com a ONG Amigos dos animais (AMA), fazendo um trabalho com banners e materiais educativos. "Já tínhamos feito trabalho nas didáticas para conscientizar as pessoas a não abandonar animais, recolhendo assinaturas com um abaixo assinado que está circulando até hoje em apoio ao Projeto de Lei 13076/2003. O projeto dispõe sobre a política de controle de natalidade de cães e gatos, e a gente quer que isso aconteça aqui também, em todos os municípios e Estados, pois só assim podemos reduzir o número de animais abandonados e sacrificados", afirma.
A Constituição Federal já prevê a responsabilidade do Estado em garantir a preservação dos animais e entende como crime qualquer caso de maltrato ou abandono dos bichos, como consta no Decreto 24645/1934 e no artigo 32 da Lei Federal 9605/1998.

Conscientização e adoção

Quanto às castrações feitas na universidade, a professora afirma que elas não eram divulgadas antes para que isso não motivasse as pessoas a levarem seus bichos para a UFS com a idéia de que ali eles seriam bem cuidados, transferindo os seus problemas para o campus. Ela diz que o grupo sempre se preocupou com essa questão para que não aumentasse o número de animais abandonados no espaço, atitude que, segundo ela, é praticada pelos próprios professores, alunos e servidores.

Mirian conta que além das pessoas que já fazem parte do grupo com doações mensais de dinheiro e apoio direto aos animais, há muita gente que ajuda regularmente e participa das campanhas que são lançadas. "Para quem não pode adotar um animal definitivamente, temos um projeto de adoção por três meses em que as pessoas se comprometem em cuidar de um dos bichos neste tempo, dando comida e remédio e contribuindo com qualquer valor. Alguns, inclusive, se interessam e os levam para casa", explica.

A professora relata que também está elaborando alguns projetos dentro do Colégio de Aplicação com os seus alunos do ensino fundamental. Um destes programas chama-se ‘Bichos do campus: eu respeito, eu cuido' e trata-se de educar os jovens a respeitar os animais e a conviver em harmonia com eles. Segundo ela, o objetivo futuro é levar esses programas para todas as escolas, tanto da rede particular quanto da rede pública, trabalhando com as crianças a questão da posse responsável de animais desde cedo.

Depois do incidente, Mirian espera que as pessoas se sensibilizem mais com a causa dos animais e afirma que o grupo continuará trabalhando para pregar tolerância e paciência nas pessoas que se incomodam e para tentar resolver os transtornos que porventura os bichos estejam causando. Como exemplo, ela cita o caso dos laboratórios, que às vezes precisam ser telados para que os animais não entrem, e afirma que hoje em dia a Prefeitura do campus já disponibiliza telas e funcionários para fazer o serviço de isolamento para que os bichos não entrem nesses locais.

Para mais informações sobre o projeto e suas campanhas, as pessoas devem entrar em contato através do email projetoecologicoufs@hotmail.com. A assinatura do abaixo assinado poderá ser solicitada tanto através do endereço eletrônico quanto pelo próprio Contexto Online, que dispõe de uma cópia do documento. Para quem tiver interesse, a nossa equipe possui também o arquivo com todas as informações sobre o programa.

Por Thiago Rocha

Fotos: Miriam Guedes (fotos 1 e 2) e Christiane Matos (fotos 3 e 4)

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