20 julho, 2008

Vidas em jogo

Projeto de Lei rejeitado na Câmara dos Deputados reacende debate sobre a descriminalização do aborto no Brasil

Mais uma vez o delicado tema sobre a descriminalização do aborto vem à tona. O que trouxe novamente a discussão foi o fato de, no dia 9 de julho, a Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJ) da Câmara dos Deputados ter rejeitado o Projeto de Lei 1135, de 1991, que descriminaliza o aborto no Brasil. O projeto já havia sido rejeitado anteriormente pela Comissão de Seguridade Social por 33 votos a 0 e será arquivado caso não haja recurso, em cinco sessões, para ser votada pelo plenário da Câmara.

A proposta de lei não tem o objetivo de promover o aborto, mas de suprimir a punição instituída pelo artigo 124 do Código Penal, que estabelece pena de um a três anos de prisão para quem comete aborto. Atualmente, o aborto é considerado crime pela legislação brasileira. Desde 1941, a lei brasileira só permite a interrupção da gravidez em dois casos: o de estupro e na hipótese de risco à vida da mãe. Apesar desta restrição, o aborto é amplamente praticado e, por ser feito através de meios inadequados, causa danos e provoca a morte de muitas mulheres.

Até 2005, segundo dados do Ministério da Saúde, um total de 1.054.243 abortos foi realizado no Brasil, tendo maior incidência nas regiões Norte e Nordeste do país. Como a maioria deles são feitos de forma clandestina, somente uma parte das mulheres, por constrangimento ou medo de declarar o ato, procuram os hospitais para tratar de situações de complicações ou de aborto incompleto e trazem, assim, prejuízos para a própria saúde. Os dados do Ministério também apontam que, de 2000 a 2004, ocorreram 679 óbitos em conseqüência de gravidez que termina em aborto, principalmente entre mulheres mais jovens. Porém, apesar desse índice ainda ser considerado alto para a saúde pública, há pesquisas que demonstram que o aborto induzido vem diminuindo no Brasil.

Por esses motivos, a discussão sobre a descriminalização do aborto está sempre presente. O primeiro projeto sobre a temática foi enviado ao Congresso em 1991 e, desde então, sofre modificações e incorpora conteúdos de outros projetos. Considerando a legislatura atual (2003 a 2007) e a anterior (1999 a 2003), foram feitas 33 proposições relacionadas ao aborto até abril de 2006.

Quem é contra?

A Igreja Católica, que tem como representante o papa Bento XVI, seus fiéis e outros grupos de cientistas, afirmam que a vida se inicia na sua concepção, quando há a fecundação do óvulo pelo espermatozóide. Visto dessa forma, o aborto, em qualquer instância, é visto como ato ilegal, inclusive nos casos previstos na lei brasileira. A Igreja, por exemplo, não é a favor da discussão e da ocorrência de plebiscitos para que a população decida como o país deve proceder, embora o Estado seja laico. O papa Bento XVI diz que os políticos que votam a favor de uma proposta de lei como essa estão sujeitos a serem excomungados. Descriminalizar o aborto vai ser uma forma de aumentar ainda mais o número de abortos, é o que afirmam.

Giselle Melo Fontes Silva, médica e integrante da Comunidade Força Jovem, não aceita qualquer tipo de interferência após a fecundação e viu como um momento de comemoração a rejeição da lei da descriminalização do aborto. “Eu comemorei porque apesar de ter muita gente que faz aborto escondido, não acho que descriminalizar seja uma solução. Só vai aumentar ainda mais essa taxa de aborto. E, além dos clandestinos virem à tona, quem antes achava complicado e difícil, vai acabar fazendo”. A médica diz que a diminuição do número de mortes por abortos clandestinos com a descriminalização é uma enganação. “A gente não pode reverter um mal, com um mal ainda maior”, afirma.

Euvaldo Barbosa Dias Filho, também médico e membro da Comunidade Força Jovem, declara que descriminalizar o aborto pode incentivar pessoas e principalmente crianças a realizar o ato. “Com essa lei, qualquer jovem de 12, 13 ou 14 anos que esteja gestante e que normalmente teria a criança, podem realizar o aborto.” Para eles, o ideal é que ocorra uma formação desde pequeno dos valores cristãos, tanto sexuais como afetivos e morais, dentro das famílias, para que as pessoas cresçam conscientes de suas responsabilidades e esse tipo de atitude não aconteça.

Quem é a favor?

As propostas que defendem a descriminalização são geralmente apoiadas por movimentos feministas. Existem projetos mais abrangentes, como a proposta dos ministros José Gomes Temporão (Saúde) e Nilcéa Freire (Políticas para as Mulheres), que defendem a legalização do aborto em até 12 semanas de gestação – período em que, dizem os cientistas, não há ainda relação entre os neurônios – como já aconteceu em alguns países da Europa, como a Holanda, e países islâmicos. Outras proposições são mais pontuais, como a permissão do aborto em casos de portadores do vírus HIV, riscos de a mãe sofrer alguma lesão irreversível ao seu corpo ou em casos de anomalia fetal, inclusive, alguns casos de anencefalia já são autorizados via ordem judicial.


Os que defendem a legalização afirmam que legalizar o aborto não significa promovê-lo, mas não tratá-lo como um problema penal. Eles dizem que o número de abortos feitos hoje e o número de processos já apresentam uma enorme discrepância: nos últimos dez anos não se contabiliza, no Brasil, mais de 15 processos por aborto sendo que ocorreram mais de um milhão de abortos nesse período.

Além de ter como principal argumento o respeito à autonomia reprodutiva da mulher, a questão da saúde e dinheiro público são dois pontos sempre presentes em suas argumentações. Segundo dados do Dossiê Aborto de 2005, a prática é a 5ª causa de morte materna no Brasil. De acordo com dados do Sistema Único de Saúde (SUS), são realizadas cerca de 238 mil curetagens decorrentes de aborto por ano, cada uma ao custo médio de R$ 125,00, além dos custos com internações por período superior a 24 horas, os gastos com UTI e os recursos necessários ao atendimento de seqüelas decorrentes do aborto clandestino. O que os defensores querem ressaltar, por fim, é que o crime de aborto promove mais a morte do que a vida e viola um pressuposto básico da dignidade humana: a liberdade de escolha.

A questão permanece em constante conflito conceitual e moral: de um lado os que defendem um estado laico, livre para escolher as suas leis independentes das fundamentações religiosas; do outro, aqueles que defendem a crença e valores religiosos acima de tudo. Apesar da delicadeza do tema e das divergências encontradas, o debate e as discussões devem estar sempre presentes e sejam colocadas de forma que a população também tenha o direito de opinar.

Leia mais sobre a descriminalização do aborto:

Por Júlia da Escóssia

2 comentários:

Anônimo disse...

Ju, sua matéria tá muito legal!

Acho que a discussão acerca do tema é muito válida e deveria ser mais aberta à sociedade. Sou a favor da descriminalização do aborto, mas veja bem, o que as pessoas não entendem é a diferença entre ser a favor do aborto e ser a favor da descriminalização deste.
Eu não concordo com o aborto, concordo sim, que esta prática deve ser feita em clínicas mais seguras e hospitais, e que haja uma conscientização de quando fazer o aborto.
Por exemplo, em casos que sejam graves, como estupro, risco de morte ( várias mulheres até querem engravidar, mas correm risco de morrer na hora do parto), essas coisas mais sérias e não simplesmente porque as mulheres tiveram o descuido de não usar métodos contraceptivos e utilizar essa prática como brincadeira, como eu já soube de casos de mulheres que abortaram cinco, seis vezes porque não gostavam de usar camisinha ( nem seus parceiros) e não queriam tomar a pílula para não engordar, com isso, realmente não concordo, até porque devemos ser cuidadosas com nosso corpo e entender que gravidez é coisa séria.
Acho que as universidades e escolas deveriam trazer à tona mais vezes discussões como essa. Claro, sempre mostrando as pessoas que apóiam e discordam, apresentando suas argumentações.
Gostei muito da matéria. :)

Anônimo disse...

Pow legal, mais uma vez uma decisão tão importante é decidida pela 'bancada religiosa' do Congresso. Uma pena. Perderemos até a oportunidade da discussão.
Mais mulheres com sequelas de abortos para o SUS.
Mas se é isso que deus quer...

boa matéria, Júlia