08 fevereiro, 2007

A polêmica em torno de Hugo Chávez

No último dia 10 de janeiro, Hugo Chávez assumiu a presidência da Venezuela pela terceira vez sucessiva. A “re-reeleição” só foi possível devido a mudanças feitas na legislação do país enquanto o governante ainda cumpria seu segundo mandato. Segundo a repercussão do fato na imprensa mundial, embora o plano de governo de Chávez tenha sido, ao menos aparentemente, bem aceito pelos venezuelanos, ele levantou fortes receios na maioria das democracias ao redor do planeta. O presidente segue um estilo de chefe de Estado bastante parecido com o de Fidel Castro, de Cuba, e com o de outras novas lideranças emergentes na América Latina, como Evo Morales, da Bolívia.

O CONTEXTO ouviu as opiniões do sociólogo José Rodorval Ramalho e do filósofo William Piauí sobre o que representa a figura de Hugo Chávez para o país que governa e para o próprio continente que habita, as entrevistas podem ser lidas abaixo.


Hugo Chávez não traz nada de novo para a América Latina


Hugo Chávez é um político latino-americano típico: detesta a democracia e o livre-mercado, cultuando o poder que deve ter o Estado para controlar a economia e a política. Não é por outros motivos que nós (latino-americanos) somos o que somos – economicamente atrasados e politicamente autoritários. Se observarmos a história da América Latina, encontraremos vários líderes como o coronel Chávez: Getúlio Vargas, Perón, Haya de la Torre, Lula, Morales e tipos até mais radicais, como são os casos de Pinochet e Fidel Castro.

De forma nenhuma se pode pensar que Hugo Chávez está caminhando para a implantação de um socialismo inovador no século XXI. O socialismo chavista é uma variação em torno do mesmo tema: ditadura política e estatização da economia em níveis extremamente elevados. Em outras palavras, o velho e inviável socialismo, já sepultado pelo século XX no mundo desenvolvido. Não é à toa que o coronel é um entusiasta de Fidel Castro.

As novas medidas que foram tomadas pelo presidente venezuelano estão totalmente coerentes com a escalada totalitária. Com a Lei Habilitante, por exemplo, o Congresso concedeu ao Presidente o direito de não precisar mais do Legislativo. É uma cópia radicalizada das Medidas Provisórias no Brasil. Como podemos ver, trata-se de uma cultura política que centraliza tudo no Estado, através do governante de plantão. Outra medida que é típica das ditaduras de esquerda é a possibilidade de reeleição sem limites, o que torna o regime uma “ditadura branca”, pois como o Estado detém, praticamente, todo o poder, fica difícil derrotar quem controla a máquina estatal. O uso da democracia para desestruturá-la não se constitui, exatamente, numa novidade. Hitler, é bom lembrar, foi eleito e posteriormente usou seu poder para acabar com as instituições democráticas.

O grande problema é que a sociedade venezuelana não conseguiu construir, ao longo da sua história, uma sociedade aberta, com incentivo à livre-iniciativa, uma democracia representativa consistente, o investimento em educação básica, ciência e tecnologia etc. Assim, a sociedade fica vulnerável à emergência desse tipo de demagogo com delírios totalitários, sobretudo quando, no poder, utiliza a distribuição de dinheiro para os mais pobres (larga maioria) e os contenta com esse tipo de política. Aqui, no Brasil, funciona da mesma forma. Todos querem que o Estado os proteja. Usineiros, sem-terra, juízes, professores, parlamentares, ex-terroristas, exportadores etc. O problema é que esse tipo de política não se sustenta no longo prazo. O Estado não dispõe de recursos ilimitados, mais cedo ou mais tarde implode.

No que se refere à inserção de Hugo Chávez no continente americano, é importante notar que, embora não vejam com bons olhos as atitudes de Chávez, ao menos por enquanto, as relações diplomáticas entre os Estados Unidos e a Venezuela não foram interrompidas. De forma nenhuma os EUA agiriam com Hugo Chávez da mesma forma que o fez com Sadam Hussein. A Venezuela é absolutamente insignificante para uma ação daquela natureza. Outra questão que é bom lembrar: por que a Venezuela não deixa de vender petróleo aos EUA? Chávez é um ditador, mas não é burro. Os americanos são os principais clientes do petróleo venezuelano. Se os Estados Unidos suspenderem essas compras, a Venezuela quebra.

José Rodorval Ramalho é doutor em Sociologia e professor do Departamento de Ciências Sociais da Universidade Federal de Sergipe (UFS).


Hugo Chávez é o “chato” do momento

Hugo Chávez é apenas mais um líder da América Latina que conseguiu “propagandear” a si mesmo. Ele é o grande propagandista do populismo no continente agora, e todas as medidas que ele toma têm a ver com isso. Um exemplo disso está na utilização que Chaves faz dos meios de comunicação, a exemplo do programa televisivo semanal “Alô, Presidente!”, apresentado pelo próprio Chávez. Ele fala principalmente de afeto, mas todos os problemas da Venezuela são tratados nesse programa. É algo puramente populista. Por exemplo, o anúncio de compra de armas é uma coisa absurda. Quem é Hugo Chávez para fazer esse tipo de provocação?

Às vezes, levantam-se questões que relacionam o Hugo Chávez com a problemática da economia latino-americana, mas os motivos que supostamente levam a isso não existem. Vamos pensar no nacional, por exemplo. O Brasil não é uma nação em que outras não devam investir por conta da política de outro país. O momento econômico é bom, há uma série de recordes batidos nas diversas áreas de produção que constroem uma excelente imagem da economia brasileira lá fora. Se não estão investindo tanto na América Latina, não é em razão do populismo do Hugo Chávez. No final das contas, tem muito mais a ver sobre como os países estão encarando uma série de problemas que acontecem particularmente em cada um deles.

Hugo Chávez, para muita gente, é o “chato” do momento, e não existe motivo melhor para explicar isso senão a onda de “impopularidade” enfrentada pelos governos da maioria dos países. A maior parte dos governantes está tomando uma série de medidas impopulares, ligadas, por exemplo, às reformas dos sistemas previdenciários. Medidas impopulares sempre geram conflitos sociais. Mas um governo populista faz justamente o contrário.

É preciso atentar para o fato de que Hugo Chávez, muitas vezes, se protege sob o escudo do “socialismo inovador”, e isso é mais um fator fundamental na sua aceitação popular, pelo menos dentro da Venezuela. Mas é sempre muito difícil e arriscado se falar de socialismo inovador. Os governos na América Latina têm feito uma série de mudanças e o Brasil também é um exemplo disso. Recentemente, vi uma entrevista do presidente da Nicarágua na qual ele dizia que as iniciativas tomadas por boa parte dos governos latino-americanos tendem a despertar o interesse do mundo, de uma forma ou de outra. Surpreendi-me quando ele disse que vai abaixar o próprio salário.

A verdade é que a América Latina nunca esteve tão interessante. Hugo Chávez sozinho de maneira nenhuma constitui isso. Temos um Brasil onde os parlamentares estão aumentando seus salários, mas isso não diminui a importância que o Lula tem como liderança na América Latina, já que ele também tem uma história com o socialismo, ou pelo menos com a “esquerda”. De repente, alguém poderia dizer que o “socialismo” do Lula também é inovador. Para mim, o socialismo sempre foi a mesma coisa. Não me arrisco a dizer que ele existe hoje, na América Latina, como algo de novo. A figura do Hugo Chávez pode até ser inovadora, mas de maneira nenhuma as medidas tomadas por ele o são.

William Piauí é doutor em Filosofia e professor do Departamento de Filosofia da Universidade Federal de Sergipe (UFS).


Por Luís Fernando Lourenço
kegardos@hotmail.com

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