16 dezembro, 2007

Mão na massa




Na Semana de Cultura Afro Brasileira da UFS, debater sobre inclusão dos negros na universidade não foi tudo: agora, é hora de fazer.




“Ser negro é ser violentado 24 horas por dia.” Não foi em uma circunstância fortuita ou para qualquer platéia que o professor Antônio Costa, do Departamento de Letras da UFS, soltou sua definição. A frase foi dita no auge dos debates da IV Semana de Cultura Afro Brasileira da Universidade Federal de Sergipe. Entre os dias 10 e 13 de dezembro, alunos e professores analisaram números, casos, termos polêmicos e, principalmente, formas de desenvolver políticas de afirmação e inclusão social das classes discriminadas e minoritárias – entre elas, a aplicação de um sistema de cotas para negros na UFS.

A frase dura do professor Costa, mais do que um testemunho, ecoou como um ponto de partida para os trabalhos que se seguiram: a questão já não era onde a discussão está, mas aonde se quer chegar. “A semana representa o momento em que paramos não só para pensar, mas para colocar a mão na massa e, até, apontar para algumas direções em relação a ações de afirmação e inclusão”, resume o professor Frank Marcon, coordenador do recém-instituído Programa de Ações Afirmativas – PAAF – e do Núcleo de Estudos Afro Brasileiros, responsável pelo evento.

Munido de números do questionário sócio-cultural do último vestibular da UFS, que apontou uma incidência de 12,45% de negros entre os aprovados, Marcon avalia que o processo de expansão da UFS, ainda que benéfico, está incompleto. “A expansão está sendo feita de forma horizontal, focando o lado numérico. Mas é preciso ver o acesso, a inclusão das populações que, por vários motivos, não conseguem ingressar na universidade”.

Modelos de inclusão

Foi exatamente para tentar entender melhor como se faz inclusão que foram trazidos, especialmente para a semana afro-brasileira, dois representantes de experiências que deram certo. A professora Clara Suassuna veio da Universidade Federal de Alagoas para explicar como, desde 2004, cerca de 1000 alunos foram incluídos na universidade alagoana. “A política de cotas, sozinha, não sustenta o programa de ações afirmativas. São necessárias várias medidas”, esclarece. As políticas de afirmação da UFAL, segundo Suassuna, vão desde o incentivo à pesquisa sobre cultura afro-brasileira até a formação de pesquisadores e instituição de disciplinas obrigatórias relacionadas à temática.

Já o professor Wilson Roberto Mattos, foi convidado para esclarecer como aconteceu uma das primeiras experiências de cotas universitárias para negros do Brasil: a da Universidade Estadual da Bahia – UNEB. Desde a implantação do sistema, em 2002, 8000 alunos ingressaram na universidade. Mas a reserva de 40% de vagas para afro-descendentes de escola pública não é tudo. “No programa de ações afirmativas de lá nós procuramos assegurar bom desempenho dos alunos, manter uma alta taxa de representatividade dos negros e baixo nível de evasão. Não adianta cobrar desempenho dos alunos se a instituição não oferece condições para tal”, explica.

Para a UFS, o professor Frank Marcon já antecipa: a criação de uma política de cotas para alunos negros vindos de escola pública está, sim, na pauta do PAAF. “Nosso primeiro foco é pensar em uma ação de acesso diferenciado já para o vestibular de 2008”, assegura. Mas essa não será a única medida proposta. Além da chamada “verticalização” do acesso, o programa prevê políticas de permanência e de produção de conhecimento, assim como os exemplos dados por Bahia e Alagoas. Até abril do ano que vem, entretanto, as medidas continuarão como hipóteses. Nesse período, mais dois eventos serão realizados. Eventos que, segundo Marcon, serão decisivos para a adoção ou não das ações afirmativas. “Serão mesas de trabalho. O que aprovarmos já será enviado ao Conselho Universitário, que por sua vez aprovará ou não”.

Questionamentos

Na platéia que acompanhou os debates da Semana, não havia unanimidade. Alguns se mostraram mais céticos em relação ao problema do negro na sociedade. O engenheiro e funcionário do Sindicato de Professores da UFS Valdir Pimentel ironiza o termo cotas – “por que raios não é com ‘q’ de quotas?” -, e, embora simpático ao sistema, acredita que a maioria negra não sente a discriminação como costuma ser descrita. “Discriminação é coisa pra negro intelectual. A maioria não tem cultura para se reconhecer como alguém no mundo. Se o negro se achasse tão discriminado, estava aqui hoje discutindo”, disse, apontando as cadeiras vazias no momento das primeiras palestras.

O aluno Bruno da Silva, do curso de História, tem uma teoria para essa apatia. “Penso que a sociedade aracajuana não olha com bons olhos para políticas afirmativas. Vivemos numa sociedade meritocrática”. Mas quem se habilitou a responder diretamente as provocações de Pimentel foi o professor Antônio Costa, que, esbaforido, não se conteve. “507 anos nos foram negados. Ouvimos durante séculos que não tínhamos nem alma nem espaço na sociedade. Ser negro, amigo, é ser violentado 24 horas por dia”.

Por Igor Matheus
Foto: Igor Matheus

Um comentário:

Anônimo disse...

Igor, Obrigado pela reponsabilidade esclarecedora com cobriste o evento.Abraços. Frank